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The End



Escorro-te como areia fina por entre as mãos. Parti.

Eco

Pareces contradizer-te...
Que motivo tens?
Não, desculpa, senti. De repente, terá sido sono, há dores secretas, ou vagas, sinto raro inconformismo, preciso de mais, algo mais, não só dessas palavras, embora confortem, embora agradem, há distância demasiada entre o que é dito e o que fica no intervalo das vontades...
Digo o que sinto, e o que é verdade, não deves tomar essa decisão, pensares assim e accionares agressões contra mim...
Permites que sinta?
Nada te impeço!
Isso é resposta?
Não. Prova da tua liberdade.
Da minha sei e conheço, inclusivamente bem definida. o resto já é bem diferente, as tuas meias palavras deixam um aroma curto a uma vida que aposte mal, no que será ser livre e feliz...
Não é egoísmo da minha parte, mas entenderes como me desdobro e devo ser não depende da minha vontade, mas de um núcleo, essa vontade abrange-me totalmente, sem isso e sem que eu lá esteja, há quem seja prejudicado, aí sim, estaria a ser egoísta, e isso não farei nunca!
Isso são convicções que nunca irei entender.
Interioriza os meus motivos.
Encarna a minha verdade.
Não desconverses.
Gostas de monólogos?
Não. Gosto que entendam o que digo e como digo.
Parece uma boa ideia. Também eu.
Então não exijas mais, aí será então minimizares os meus valores, desrespeitares a forma como penso e porque terei de ser assim, não sou livre, mas livre para, no mínimo, sentir o que sinto.
Acreditas que há fronteiras onde terminam as liberdades de uns e começam as de outros?
Só aqui estarás enquanto quiseres.
Talvez não esteja já há tanto quanto pensas...
Entreolhavam-se. Simultaneamente, ambos apostavam certezas diferentes sobre a mesma coisa, que, na verdade, em nada coincidia.
Talvez um dia regrida, levando o tanto vento dos nossos espelhos estilhaçados num deserto.
Importa falar de amor?
Ah sim, são como prefácios dos silêncios subjugados às madrugadas permanentes, recalcando como atmosfera ferida a vontade com que nos colocamos em posição sacramental, desanuviando, alguns momentos apenas, o espectro alucinado que nos move, talvez fosse necessário esquecer que determinados instantes, palavras apenas reflectindo um estado de alma que entretanto se esvai, porque falamos então nós de amor?
E de que falaremos então?
Melhor seria materializar então o silêncio, que é realmente o nosso assunto, é nele que os sonhos se consomem, seguem a maresia da distância e nem os nossos olhares se cruzam, há por dentro dos olhos um silencio próprio da vida cada um, nos momentos, a privacidade é algo sério em cada ser que assim queira. Que nos move, então?
Pensei, de repente, que o amor existisse...
Pensaste?...
Não. Sonhei.
Brincas com as coisas...
Não.
Finges.
Sim.
Sempre me pareceu ser isso.
Fazes-me rir. Talvez, por seres assim, tenha aprendido a fingir. Simular a vida, deixá-la escorrer por entre os dedos, ficar aqui, por ser mesmo especial em todos os momentos em que por aqui passei e em todos eles eras ainda a existência mais forte dos meus dias...hoje, não sei que dizer quando me sento aqui e não vejo em tuas palavras a mesma consistência de outros tempos.
Sempre pensei que me entendesses de forma especial. Nunca o quiseste entender...não posso, embora queira ser mais para mim que o que posso ser na vida, o que gira ao meu redor, além de obrigações, caridades, a vida que queria não era certamente esta, mas é a que posso ter. Não sei como continuar a jogá-la...
Feio dizeres o que dizes e como dizes.
Achas? Pode ser, mas é a verdade.
Feia essa verdade.
É a minha vida.
Engole-a. Conforta-te nela e segue, como este rio, a beleza que ele terá, pouco importa se real ou sonhada, mas é o que queres, sei que nisso tudo há a pequenez de certa imagem, um horizonte pequeno em olhares curtos...
Como é possível pensares isso de mim...como subjugas a minha natureza...sou uma pessoa bondosa, assumo a minha forma de ser, vivo para ajudar, não me censures, por favor...é a melhor característica que tenho...
É tua, sim, não a censuro. Aliás, nada do que digo é censurar-te. Estamos apenas a falar, a dizer para o ar as coisas que vão nascendo, a bem ou estupidamente na nossa alma. Mas também não é preciso mais, somos estúpidos os dois...
É como te vês?
Às vezes.
Não entendo, mas, enfim, se és capaz de dizer isso, diante de mim...ou será que amar nos obriga a ouvir todo o tipo de tolices?
É o reflexo das tolices que ouço também...
Não tenho confiança em ti...certamente também não acredito em ti...e garanto que este sentimento é contrário à minha vontade, mas é uma cruel e dura verdade...nem sei quem és...que queres de mim?...
Já nem sequer é assunto que me incomode, acreditares ou não em mim, já nem sequer penso nisso como um assunto que me incomode, que tire o sono, sei que estou a lidar com mais que uma pessoa em ti, tu e os outros...
Que quer isso dizer?
Exactamente o que digo...
Que dizes?
Somos 3 vidas...eu, tu e a tua vida...
Efusivo...
Concreto.
Certo. Que queres, então, de mim?
Nada contrário ao que sempre te digo...ou melhor, a mesma coisa que sempre quis, embora perceba que daí nada concluis, ou finges não entender, sei que às vezes nos convém não perceber, garanto que, quanto a isso, quase tenho a certeza, mas podes continuar a remar nesse sentido, há tanto ainda por navegar, como está longe o horizonte...e eu ainda a tentar encontrar o cais dos meus sonhos...
Sou confusa, sim, não presto para nada também, pena ser tudo isso apenas para ti, para mais ninguém significo tão pouco. Tens mais para me acusar?
Não creio que esteja a acusar-te. Nem tão pouco tenho essa intenção. Mas acredito que dizer-te o que penso sobre todos os contornos sinuosos e dificéis da nossa história seja apenas provar que quem ama deve lutar pelos seus ideais, conversar sem o intuito de acusar nem humilhar. Humilhação é vivermos como se estivéssemos num inferno.
Não me apetece ouvir mais nada. podes calar-te, se fazes favor?
É ao que estou mais habituado a receber de ti, quando as coisas entram num campo sobre o qual nada queres abrir, ou talvez porque algo queiras encobrir...mas, certo, calo-me. É a melhor forma de conversarmos.
Olha para mim...
Olho.
Sorri.
Sorrio.
Estás tão frio comigo...
Achas?
Acho.
Fazes-me rir...
Então, sorri-me...
Sorrio.
Consegues ser tão mau para mim quando queres...porquê?
Não sou mau para ti nem para ninguém. Vamos mudar de assunto?
Pode ser. Ficamos a olhar o rio...
Quantas vezes o faço, aqui, sozinha, fitando a profundidade das coisas que me dizes, que parecem ecoar, distantes, algumas coisas lindas de mais, adoro ouvir-te quando és meigo...
Tens a sorte que eu não tenho, perto de mim não há rio...há um horizonte de tristeza, dor...uma silhueta escura e encardida, ruído, solidão, é, no fundo, o que consigo obter numa distante paixão, mal envolvida, mal explorada, com convicções diferentes, até no que se diz...
Lamento não teres a mesma sorte que eu...culpas-me por isso?
Estou a culpar-te de alguma coisa?
Insinuas...
É como entendes.
É como ouço.
Lamento ouvires mal...
De novo?
Não. Na mesma.
Eu também. Mas garanto que não mudo a minha forma de pensar ou viver. Não posso alterar nada. É a vida que tenho.
Vive-a então.
É o que tenho feito.
Força!
Sempre te pedi mais compreensão. Sabes como são as coisas da minha vida.
Chego a duvidar que me ames...
Consegues provocar a minha vontade de rir...
Goza...
Das 3 vidas nos nossos passos...
Não. Só tu existes. O resto obriga-me a sobreviver. Tenho de levar este barco, até quando, não sei, és quem amo, disso tenho absoluta certeza.
Que transparente certeza...
Sim...
Sim?
Sou tua o tempo inteiro, dentro dos condicionalismos da minha vida, faço tudo o que posso.
Se entenderes assim na totalidade...
Que quer isso dizer?
Exactamente o que estou a dizer-te.
Não entendi.
Isso.
Queres baralhar-me?
Quero esclarecer-te.
Tornas as coisas tão dificéis...
É a continuação da forma como pensas simplificar...
Faço o que posso e como posso...tenho que me desdobrar, fazer tripas do coração, a correria a fazer as coisas para estar um pouco contigo depois, mas não consegues perceber isso...
E que percebes tu?
Que gozas com a minha sinceridade.
Ai meu deus...para quem falo então?
Não consigo atingir o que queres dizer...deixas-me confusa...
Como me irrita ouvir-te quando me questionas com essas coisas, como me pressionas, não posso fazer mais, é tudo tão difícil, entendes?
Sim e não.
Então?
Não e sim.
Estupidez, desculpa, mas é o que posso concluir.
Estás no teu direito.
Sei dos meus direitos.
Eu dos meus.
Não chegamos a lado nenhum...
Quantas vezes já te disse isso?
Não sei...
Memória fraca? Ou fraca vontade de entender?
Nem um nem outro.
Qual então?
Amo-te. Essa certeza absoluta.
Acredito. Mas à tua maneira.
Há maneiras de cada um?
Começo a descobrir que sim...
Como assim?...
Não sabia que assim também seria amar...
É tudo tão fácil para ti, para mim é mais complicado superar determinadas dificuldades...não tenho força que tens.
Não tenho a força que julgas...
Quero ser uma coisa boa para ti, dentro das minhas limitações, entende-me, por favor...
Sempre foi assim...
É o que temos, este amor, estes momentos, estás sempre dentro de mim, sempre.
Acredito e não no amor...
Bolas!
Que disse de mal?
Nada!
Então, porquê o bolas?
Que mais queres que te diga para que me entendas?
Diz!...
Se continuas com as mesmas desculpas, entenderei sempre da mesma maneira.
Não pretendo mudar-te, só quero que sejas feliz, quanto a nós, temos tão pouco, mas tão bom...não achas?
Melhor para ti que para mim...mas talvez deva sonhar...sair de mim e flutuar...como deixar de me sentir e ser outra coisa, alguma fantasia pelas florestas, percorrer os mares de todos os cantos e ser pedacinhos de praia, ser uma peça de lego nas mãos de uma criança e deixar construírem-me com o seu imaginário feliz, livre. O impossível não existe para uns, tem de existir para outros, mas continuar e seguir, ser sempre e sem mudanças, continuar todos os dias igual, sem manifestar, ser feliz como tiver de ser, como quiserem que seja, deixar-me brincar de vez em quando e sempre, nesta foz azul, neste caudal lindo, sorver o silêncio desta maresia, entrar neste mar distante, o eco das madrugadas que nunca me aniquilarão, melhor assim. Mentalizado já estou, é como tentar tocar o céu com a ponta do dedo, sei que não consigo, é como andar à chuva e não me molhar, não acredito, mas meter-me à água, terei de saber nadar, ou, então, afogar-me-ei...melhor assim, então, que seja então assim...neste sótão isolado, há horizontes dispersos, neste casulo sóbrio, há silêncios comprimidos, caminhar, onde consiga não ver, lutar contra os meus demónios, que importa não vencer, ou perder, que perca, numa luta inglória sem heróis, saborear deste sol a distância que os corpos esquecerão, a água deste mar sempre presente, saborear, sorver dos tempos o presente e levá-los longe, onde se puder navegar, viajar as entranhas da noite, o repouso trémulo, beber do tempo os tempos que possam chegar, sacar da alma o instinto vencedor, este cobertor sabendo a sol, como o gin de outros momentos, fumar de lés a lés a solidão entre tanta gente, escrever páginas de pensamentos, redigir sonhos e colocar devagar, em cada passo, as melancolias de quem quis, um dia, tocar em rostos profundos de gente que nos olha, sem dedos a apontarem o caminho, saber a que mar pertencemos. Todas as manhãs, sempre iguais, com uma apenas diferente, a que for mais acutilante, que traga conforto nómada, as que nos levaram a outros destinos, destinos de outros, como poetas a escreverem sonetos sem rima, mas ser belo o conteúdo, decifrar quão longe se chega quando se desprende a emoção e se entrega como canção, o o playback dos lábios que querem tocar-se, num funesto e dissipador silêncio, haverá como amar, mesmo sem mar...
É tudo um sonho, é tudo estranhamente belo, que bom sentir fluir em mim todo esse conjunto de palavras, tão suavemente, gostava também dizê-las assim...sinto uma paz enorme...
Quando me questiono e descubro, como sou, afinal, quem sou, afinal, as palavras devoram a minha dor, levam os silêncios deste lugar onde quase sempre queria poder estar, não sei quando nem como, mas quero...como estas águas me dissipam do vento que arrasta o desejo, senti-lo na face e descobrir o quanto me devo esconder das coisas claras, como devo fugir e viver entre a sombra, sinto como satisfaz deitar-me neste areal, e partir silenciosamente enquanto sonho a vida...por aí decorrerá, lentamente, com a velocidade própria das coisas impossíveis, com a naturalidade óbvia dos pesadelos, como nuvens neste céu lindo, faz-se chuva lentamente, abraçam-se as gotas frias como noite, gelam os gritos dos navios, bebo café e disparo por dentro, as dúvidas da existência, que plataforma para sobreviver a todos estes momentos, todos estes contratempos.
Sem palavras...fico sem saber o que dizer...
Sentes como se tocam no fundo, por dentro da água deste rio, os brilhos dos tempos e das ânsias?
É mesmo para aí que olho...perco a noção de tudo enquanto as águas decorrem...sem palavras, apenas o olhar me guia silenciosamente...
Acredito em tudo e como nada é impossível, acredito no mistério, nas estrelas, acredito no mar e nos sonhos, acredito em tudo o que amo, apenas no amor não acredito, não sei se entendes, nem sei como explicar, sinto a dicotomia das coisas em que acredito a desvanecerem-se, parecem surreais, ao mesmo tempo belas, quero e não quero ser ao mesmo tempo uma e outra coisa, poder disfarçar-me de anjo e sobrevoar, mergulhar, flutuar  as coisas que saboreio deste lugar, este fascínio pela água dos rios, que se tornem antigos, que sejam permanentes, como uma tela pintada à minha janela, onde, sempre que quiser, corro as persianas e ficaria horas sem fim a observá-lo, poderia até escrever neles os pensamentos que me tiram deste mundo, abriria todas as janelas, correria as persianas e ficaria deitado a decorá-las com o meu olhar, perdido, estancado em mim, e decorrer o resto do dia nesta fantasia que se torna real, ser um pedaço eterno deste rio, onde possas ver da tua casa também, esquecer que nada vale a pena, apostar nas incertezas e vivê-las, camufladas no pensamento, que da janela de ambos, minha e tua, consigamos ver, mesmo fantasiadas numa tela seca já, este rio de onde moras, mesmo que não mores já na mesma casa, onde, 1 dia, cheguei a tocar-te...
Ficava aqui a vida inteira a ouvir-te, sentir a tua mão carinhosa sobre o meu rosto, não queria mais, tudo isso seria imenso, ouvir a tua voz, nestes momentos, sou a pessoa mais feliz do mundo...
Não quero que seja apenas uma coisa para se escrever, num romance que acabe em bem e felizes para sempre, quero que as coisas reais da vida, as dificuldades próprias dos amores, as diferenças, opiniões, controvérsias, é aí que se encontram plataformas entendimentos, embora pudéssemos por este caminho ser uma amor de telenovela, mas faz-me rir essa possibilidade, até nem gosto de novelas, sabias?
Podia fingir amar-te, como seria mais fácil para mim...mas como é difícil, porque te amo verdadeiramente...
E se fingirmos os 2?
Escuta, estavas tão bem...queres incomodar-me com isso?
Não, claro que não, mas também não quero ser o que acabo por nunca encontrar...
Tens-me, que procuras?
Talvez conseguisse responder-te se pudesse ver-te por dentro...sinto que não estás por cá, ou, se estás, só uma partezinha está, o resto flutua entre tantos caminhos...acredita, como noto e sinto isso...
Sabes o que são  mistérios? Passagens misteriosas pelos atalhos, pelas ruas, pelas vidas, entendes algo sobre mistérios? Pensamentos, ideias, juízos, coisas boas e más, momentos ou passagens por coisas onde nem sequer se sinta, ou consiga pensar, ir, seguir, arremessar sobre o luar a fasquia que anuncie o fim e o princípio das vitórias, os desejos com placares coloridos, espantardes enormes com o nome de deuses, emoldurar no claustro do tempo a sequência dos ruídos, entre janelas e saques, a serpente vulnerável com cores na alma, a rima das horas deixando bem solto na cama o frenético grito do orgasmo arraçado com prazer, foram, foram, se se perderam, se engulam distância agora, mistérios, entendes disso? Que significado terão as palavras soltas, que se perdem na ausência, se esfumaram longe, onde antes morávamos distantes, na alma, na alma, fumos de lama, lamacentos rituais de gente sem sentido, os que dizem nada do que sabem, como pensam, julgam, jazem...sabes descrever o ritmo do tempo? Do temporal aqui, entre ninguém, a sós, quando entrávamos um no outro, pela porta da rua, junto ao rio, cúmplice, e culpado, anónimo dos momentos de tantos e tantos mistérios, até nos orgasmos da lua súbita, o sol saberá de nós...por isso quero que esqueças, que me esqueças, que sigas, que vás, onde estaremos jamais de peito sacro, no altar desprovido e vingado de iras sãs, solta-me nesta vida nua de pobres risos, os toques que vingares sacar-me, sugares de mim os momentos vencidos no tempo de bem sentir a saudade saciada, viciada de pormenores, cafés vazios, por isso divago, por isso sou vácuo, mas de mistérios, se souberes conta tudo, tudo, seja em que língua for, cor, sentimento ou dogma, abre-o por esta janela da fortuna, que jaz junto ao templário, ou do centro onde ainda há pouco jantávamos, onde saíramos depois vazios, sem sexo e sem nexo, este amor é formado na rua, vadio por isso!
Quando quiseres...
Oh...
A importância enorme que me foste sempre...
Sim?
Sinto, clamo, sei que perco, que me afundo...
Palavras...
Sentidas...
Ao vento...
De gente...
Laboradas com a tua essência...
E o meu valor...
Fortes conquistas...
Seriam nossas...
Dar-ta-ias...
Aceitaria...
E onde as esconderias?
Num baú...
No cais?
De mim...
Que enorme...
Talvez...nunca o quiseste ver ou sentir...
Só nunca lá chegaria...
Serei sempre o máximo que pretendas...
Entre tantos muros...balas sem fogo e com fumo...apenas daí senti um belo rio, algo divino, mas não é teu...
Pedirei que me confidenciasses sempre sobre ti...
Quem sabe...
Fazes por mim?
Eu.
Não.
És pouco.
Porquê?
Porque sim...
Aprendi a vaguear por ti...
Como assim?
Assim, como me vês...
Estás igual...lindo e impossível...
Essa beleza funesta, não é?
Não, mas boa, dos dias que a memória não apagará jamais...
Afogo-as...
Amo-as...
Sem razão...
Muito sentimento...
Conversas bem e mal...
Quero-te...
Toma...
Sente a minha mão esticada e fria...de tristeza...
Estica-a...o espaço senti-la-á...
Por favor...
Sem favores...
Estou triste...
Sentimentos...
E eu...feliz...não, tranquilo!
Um dia seremos possíveis?
Haverá um mundo comum, acredito.
Onde?
No inferno.
Detesto conversas satânicas...
Devem vir de ti então...ou a ideia de Satanás que nem conheço...
Às vezes é o que sou para ti...
Não faz mal...já esqueci a tua forma...
Tens quem saiba devorar-te...
Ou quem queira saborear-me?
As 2 coisas...
Sei quem me sabe perder...
Tu.
Tu.
Sou livre, e tu?
Queria ser...
Compra liberdade escrava da ganância.
Sou isso para ti?
Não.
Então?
Para ti.
Optei.
Venceste.
Estamos num jogo?
Tu, talvez.
Não, acredita.
Acreditei.
Mil vezes quiseste tudo e nada logo de seguida. De novo o começo e o recomeço do fim, sempre presentes, breves segundos nos afastaram da verdade...
A nossa verdade sempre foi uma grande mentira.
Sempre soube isso...
Contra mim?
Contra mim...
Quem andou no meio a estorvar?
O teu senso anormal...
Não queria discutir...
Igual para mim...
Bem ou mal, contigo é sempre falsa paz...
Tréguas, meu amor...
Para ti...
Nós.
Não.
Agora só nos resta entender a derrota, seguiremos...
E sobre o que fazer, nada dizes?
Já está tudo dito...
Esclarece...
Vou dispersar, sabias?
Felicidades...
Podias ao menos, mesmo com tonalidades de fim, dizer algo com amor...
Larga as tretas...
Será difícil saber de ti...
Melhor assim...
Vou sofrer...
Por favor...mais conversa de nada...
Quando sinto mais e mais, penso como aguentarei...
És 2, lembras-te?
Quis ser tua...
Dizes bem, quiseste.
Sim...
A minha decisão é, no fundo, alguma protecção a mim mesma...Não sei nem consigo lidar com tudo o que vai na minha cabeça, na minha vida, nos meus dias, e o amor imenso que sinto por ti, acredita, meu amor...
Blasfémia!
Diz?
Nada.
Muito gostas tu de começar coisas sem terminares...
Pensas tu...
Ouço...
Bem mal...
Pelo que vejo...melhor mesmo acabar este sonho, ou pesadelo...que será?
Nada disso. Nem uma coisa nem outra. O teu dilúvio, mais concretamente, isso.
Por isso, tudo. Tens razão, então.
Escuta, já te disse que ter ou não razão não é o que tranquiliza, não luto pela razão, fica claro?
Um dia, tudo ficará mais claro, esclarecido entre nós. Tens fé nisso?
O meu deus, acredito em todos os caminhos que d'ele me possam chegar 1 dia...sem esta luta inglória, este tarrafal moderno, este estado de incompreensões...
Nem consigo estar em paz, tudo isto me deixa fora de mim, longe da vida, que farei agora?
Segue. Aprende a ler as letras da estrada, dos percursos que forem surgindo, as leis do dia-a-dia, em todos eles encontrarás pedaços com que possas ir construindo o castelo desmoronado, as pedras caídas, os sonhos derramados sobre todas as águas desta sala, deste paraíso de alucinações, por todas as palavras de sempre, efusivas, feias, os teus quereres estranhos, as tuas convicções impossíveis, segue, as ruas deste pedaço transformando-se em luas, luas sobre as nuvens, chuvas secas no leito, o cobertor que nos inventa, a tua alma ausente, segue, abre as ruas de dentro de ti e sem barreiras, sem agredires a tua fraca coragem, ultrapassa tudo sem pisares nas almas dos teus amores de todos os momentos, sei quem são, quem não sou, que significo aí, entre o vazio e o frio de sexos de carvão, o aroma de pêndulos, construí devagar a minha ideia, neste mar eterno, neste dourado destino sem ti, onde chegarei, por não existires...segue...
Sabia...sabia quanto era importante, quanto seria alguma coisa, o que não sou na tua essência...
Sempre sabes tudo...
Não.
Então?
Sei que quero...melhor, queria saber...
Mais dúvidas...
Sempre muitas...
Por isso, nada consegues, a não ser vulgarizares os teus conceitos...
Sinto-me uma pessoa normal...mas limitada, por azares, opções, que faço agora?
Segue...
Não sei por onde...mas tenho como...mesmo que mal...sigo...
Acordei, um dia destes, com os aromas do longe entranhados no meu silêncio, senti rústicos sons entrarem os claustros escuros do meu refúgio, invadindo subtilmente as culpas brandas do meu sono, lentamente, as vozes, seguindo o corredor e janelas, a luz estranha a violar-me os olhos, a rasgar a maresia lenta do meu rosto, sobre o peito, restos de noite, pedaços de ânsia querendo falar-me, coisas que excitavam a pele, rompiam as pupilas secas e remeladas e sem água, sem som, sem amor, gritos apelavam novo e futuro, quase perpétuo sono, novo sono, como áridas distâncias e mergulhos, sabores a dálias e fantasia, prazeres sem nome, sem nada, agredi o tecto da alma com gritos por ti, apelei à ausência sentir-te, encontrei vagarosas saudades a águas, entre novos escuros, novos declínios, novos sonos, remanescentes e prementes viagens, descer inúmeras vezes esta rampa até à água fria do mar, sempre presente saudade, sentir a areia nos pés quase descalços, leitura obrigatória dos meus ligeiros devaneios. Quando voltar a adormecer, levo até ao meu quarto alguns beijos secos no jornal velho. Espalhando pelos cantos da sala, arrumarei vagarosamente os sentimentos, os contornos vagos da voz que ficou, entre os armários, sobre a mesa, a canção esquecida, restos de almoços, pratos sem nada e copos bebidos a descrever as lágrimas alagando de desprendimento, de soltura e solidão o ar frio da rua após a noite, neste completo dormitar de pesadelos e segredos, a pornografia dos sonhos quando me fizeras desejar-te, como o prazer perdera o nome e seguira depois, sono profundo e de sonhos. Quando acordar novamente, conseguirei descrevê-los sobre os passeios pisados por gente quase vulgar, que não entende ainda como se descreve um amor encarnado, como se vive uma dor futura, nos atalhos deste mar, o mar da minha cidade, resta agora a areia encardida por não teres ainda chegado, mas, mesmo que não venhas, não irei lá hoje, tirei o dia para não fazer nada, tomarei um café e bebo qualquer coisa, depois irei ler alguns pensamentos consagrados num amontoado solto e escondido e dormirei depois, todo o tempo que a vida deixar...
Tenho de ir...até...
Segue...sabes ainda o caminho?
Tenho que ir...
Nem mais, nada mais direi então...
Fica com deus...
Vai com deus...


Mais que palavras

Ecoar. Por trás do sono. Há tempos lentos e momentos, quando se encurtam as vontades, queremos, sim, queremos envolver as distâncias e, devagar, refutar ao escuro a verdade entre seguir, ter que ser assim, porque as palavras estão ditas e convinha acreditar, há umas que valem mais do que outras, não importa que fundamento nem significado, esse terá já proprietário, por isso, para alguns, lembremos apenas o eco.



Serafim, nome de anjo

Todas as tardes, Serafim dirigia-se à rua dos Anjos e, junto a um velho edifício, sentava-se, esperava o regresso do fim de tarde dos pombos daquela casa, de que a humidade há muito tomara conta.
Escorria pelas paredes como um silêncio sem voz, enquanto as penas secas caíam parede abaixo dos pombos mais velhos, e o sorriso de Serafim enchia a sua alma, que busca apenas o último cigarro no bolso das calças de ganga velha e acende, fuma a dor esquecida de quem nem sabe de quem é filho.
Serafim sorri, os dentes estalados entre a dor.
A esperança por um sorriso sincero poderá surgir um dia. Aquela rua e aquele lugar poderão ser uma estação de embarque, quem sabe, ser dali a descoberta do mundo escondido, onde um dia o silêncio irrompeu e destruiu o que a sua memória perdeu, deixando apenas o reflexo do momento, em cada momento.
O movimento de pessoas é cada vez menor à medida que a noite chega. Caminha lentamente, rua acima, rua abaixo, sem raciocinar sobre o que fazer ou porque se movimenta, que mistério ou dor levara de si o que não sabe e no estranho silêncio e solidão o remetera, o escondera da vida, onde tanto lixo e miséria o ocupavam agora numa estrada sem saída, é o seu canto frio. Sem saber que horas são, sem cansaço consciente, talvez, o espaço interior é lentamente esmagado pela nostalgia que o leva a outros tempos, tempos de que certamente não se lembra mais, mas que talvez fosse menos sozinho, hoje, quase sem abrigo, voluntariamente, encostado a um nada qualquer, escreve poemas numa parede. Desperdiçando-se de si, mergulha no infinito escuro, quase completamente, repleto com o vazio da noite, onde chove e a distância, o peito despido, abre os lábios e boceja, beija a doce água que o céu envia dos lábios dum destino esquecido por alguma nuvem com pressa.
Passada a noite. Entre si e o seu silêncio, a ausência de um tempo e uma história sem sentido, numa mala imaginária de uma vida inteira e sem passado, que futuro?
Apenas este horizonte obscuro será o lema. o propósito de tantos sonhos dizimando uma alma que não dorme. É já dia e de novo outra noite virá. Provavelmente, os mesmos pormenores, muros, paredes, pombos, e que incógnita caminhada?
Carrega no seu interior uma sombra perturbante, uma amnésia terrível, que dor o faz sentir doer, que ferida lhe arderá, mais cigarros vão disfarçando o vazio à frente, e uma solidão enchendo-se de nadas...inala o perfume das inconstâncias, da solidão, do seu silêncio de movimentos lentos, gestos de pensador adormecido, círculos que se acendem fingindo luzes, alertando um despertar que não conseguir ainda entender, mais cigarros, os dedos queimados, mas livre e dono da sua caminhada, com a miséria a espalhar-se pelas artérias sinuosas da cidade. E que turbilhão a sua cabeça. Respondia com ignorância, indiferença, nada o incomodaria, tudo lhe era permitido, ou era como estar num inferno, num mar gelado, soltava saliva cansada e densa, olhava rostos bonitos e delgados corpos que bailavam em suas caminhadas musicais da vida, o ritmo belo das ancas contornadas pelos adereços, o perfume delas fazendo renascer antigos sintomas...estendia a mão e sentia ainda mais o vazio do seu silêncio.
- Sonho um navio vergar-se, uma paz real dizer-me poemas nesta pasmaceira de pó, vento e chuva, neste claustro de plena liberdade, onde todos os movimentos me são permitidos, onde nada me é impossível. Queria uma doce falésia futurista a irrigar-me os impulsos e a encher-me sem veneno, saciar-me os olhos com as cores luzidias deste sol que talvez invente, quando a lua, por vezes presente, me obriga a procurar o impossível, o que não existe, bem implantado nesta rua de tanta esperança, neste doente silêncio de tantos ruídos, que venha a princesa e me leve, e me ame, e me dê colo, como se fosse um bébe nascido do ventre da rua, assistido pela mísera qualidade do vazio, o entulho de toda a gente por todos os cantos, as tabernas saturadas pelos indígenas da noite, que albergam no seu corpo alcool quase evaporado de tantas histórias da vida, particularidades vagueantes, e dos que, como eu, preferem olhar, de forma quase fixa e alucinada, os relatos do infinito interiorizados sob a minha pele arrepiada de frio, de medo, de ânsia, felicidade, talvez...
Ao longe, um rosto lindo, talvez, aproxima-se a cada passo, suave e elegante como sombra dela, cada vez mais perto, e quase consigo já ver o seu rosto, a cor dos seus olhos, que não conheço, levanta o rosto e diz-me educadamente: Boa noite, sempre aqui sozinho... - Não estou sozinho, estou com os meus pombos, as minhas ruas, o meu frio e todo este movimento que me alimenta e faz pelo menos sorrir, raras vezes, mas estou com tudo isso bem no interior de mim, algo que faça lembrar de coisas que talvez  tenha vivido 1 dia, ou tenha esquecido para sempre, como agora, consigo a olhar-me diante de mim, e o privilégio que me concede poder olhá-la nos olhos, poder ouvi-la, sentir a sua voz, e como se dirige a mim, assim tão respeitosamente, como se de algo divino se tratasse...qual é mesmo o seu nome, menina? Vive por esta zona?
- Não, sou de relativamente longe daqui, vim a subir a rua, reparei em si, como se movimentava, como falava sozinho, curiosa e, com respeito, aproximei-me, eram belas as palavras que dizia, você é um poeta, senti quando o ouvi, cheguei perto de si...e desejar-lhe uma noite feliz, dentro do possível, pelo menos, mora por aqui, você? - respondeu ela, com uma pergunta também.
- Talvez conseguisse falar-lhe um pouco sobre mim, ou que talvez haja tanto meu que pudesse ser dito, ou mesmo nada até, a não ser o que exactamente me fascina aqui, neste canto, os meus pombos como se fossem meus filhos, a noite, minha companheira, os lençóis são este vento que vem de muito longe, ou, quem sabe, de muito perto até, eu sou Serafim, tenho trinta e tal anos.
- Você parece um homem interessante, mas porque divaga? Em que trabalha? Estudou? Diga-me mais de si, diga, vou adorar ouvi-lo, a sério, vou adorar - insistia ela. - Há dias em que, provavelmente, tudo o que tenha havido na vida de alguém passa a ser nada, ou tanto pela insignificância, ou até pelo factor sorte de cada um, uns mais, outros menos, para os que ousam nunca sentir mais do que acabar assim, mas garanto que, de mim, mais do que isto não sei, não sei, apenas o que vou vivendo, o que vou sendo, algo e nada, quase nada mesmo, este que vê, este aqui presente, esta figura física real e presente, com o interior distante, ausente, divagando as entranhas do espaço.
- Sabe, Serafim, parece tão estranho como se refere a si, como diz de si, parece esconder algo, ou foge de alguma coisa? Que terá sido a sua vida? Pode confidenciar-me a sua vida, o seu segredo, de si, liberte-se comigo, tudo o que puder, como quiser, não quero incomodá-lo, apenas partilhar consigo, todos somos prisioneiros de alguma coisa, não acha?
Serafim calou-se, virou o rosto como que a fugir sabe-se lá de quê, fechou os olhos, pareciam escorrer lágrimas pela sua face, e disse, apenas: - Você é muito linda, simpática, mais do que isso até, parece possuir um coração de sonho, a sua voz transborda tranquilidade, mas vá, não se perca por aqui com o farrapo que sou, com quem não lhe poderá dizer nada, mais nada, com quem não vive, vagueia, subjectiva, são estes os meus percursos, a minha vida, e que sobre mim nada esqueci, assim como nada há para dizer, contar, é esta a minha história, pobre e curta, mas minha, nestes espasmos de loucura, com poemas rasgados no horizonte, escritos nas paredes do mundo, com a luz da lua, mas vá à sua vida, vá. Garanto que de si já não me esqueço. Virou costas, não mais abriu os olhos. E ela, lentamente, foi desaparecendo, olhava para trás e seguia o seu caminho até desaparecer mesmo por entre os espaços mais escuros da noite.
Serafim abria os olhos e sentia ainda o olhar dela, divina, parecendo trazer luz ao seu silêncio escondido, que terá ela visto aqui, de tão longe, parar ali, junto a Serafim distante do mundo, recolhido, escondido? Ela foi carinhosa, mas que não perca tempo, deus a proteja.
- Ah, podia ao menos ter ficado com o número de telefone dela, não sei, teria feito bem? Bem, melhor assim. Nem o seu nome fiquei a saber...mas que era linda e meiga, isso era.
De novo o dia, onde sente perder-se algum mistério, onde não se vislumbra através das trevas o belo som do silêncio, o mistério da noite, o ruído das nuvens como um tecto distante, um luar encantador, o dia, sim, presente, com ruído e dor, atribulado , de imensos carros e gente nauseabunda que seguem; por isso, prefere sonhar-se noite adentro. Porque talvez ela o proteja da exposição de tudo e todos, e, durante o dia, a humidade é sugada pelo sol, abrem-se janelas e os rostos expostos, risos de crítica, olhares punidores, antipáticos, censuradores, levados pelo stress e pela urgência para os empregos, os cafés matinais para a cafeína reforçante, o aconchego da manhã, sim, a sua companhia é mais clara e óbvia. E por aí segue, pelos passeios atabalhoados da cidade, por entre quem não quer sequer ver, nem gostar, nem sentir, nem olhar, e por tudo isso ninguém vê, porque ignora mesmo ver. Há um horizonte branco no seu caminho, sem sombra, os sorrisos anarcas da sua alma vibram, um silêncio barroco, uma montra, sabe lá ele o que exibe, mostra o seu reflexo, cativa quem passe, convida a entrar, mas, através do vidro, espreita apenas, vê o seu reflexo, por trás, o frenesim doido da cidade acordada, dos que não conhecem uma alma, ele; pudesse ele acelerar o relógio e retornar à noite, ao sombrio de si, ver-se só e envolto no breu doce da solidão, escuro, sombrio de si, sonhos e fantasias das suas deliciosas escrituras em paredes velhas.
Fim de tarde. A rotina atribulada e o regresso às casas, aos lares, enorme o movimento de viaturas, filas de gente e confusão, parece não acabar, sem mais que fazer, vai de novo, como foge abstrair-se disto tudo, trincar algo e animar-se silenciosamente num projecto de paz, talvez convencionada por si, incomparável aos padrões triviais e convencionais, um escape da sua invisível incursão pelos transparentes ruídos deste lar público, rua, aquilo a que chama o seu mundo, rodeado de imaginárias esperanças, completando a sua espera , um clima sem refugos de ondas e mares de um mar qualquer, compassadamente vai contando os seus passos matematicamente mal calculados, sem se preocupar com resultados, somar índices no seu profundo desejo, neste clima psicológico sem formas nem fórmulas.
Inverno ainda. Serafim continua, deambula por todas as artérias da cidade, da bela e feia cidade, de encantos na memória e memorizados ressentimentos, alegrias defundidas e um futuro sem passado, onde permanece inerte com todos os gestos e acções inculcados no cadáver físico que possui, juntinho ao vento, nesta morgue universal.
- Não consigo ter consciência de mim nem como agir em prol de mim mesmo, de forma a dar passos ou projectar-me para outras dimensões da vida. Estou ainda colado a algo que me tenha empurrado ou estimulado a esta queda quase sem vertigem, sem que dor tivesse até sentido. A mágoa de me sentir na busca do que não sei, lá, terei em tempos sido, menos do que hoje sou, e que me capacito ao encontrar-me com tudo, este apelo interior à minha própria alma, de me reforçar neste destino anunciado, e o sonho que terá feito explodir-me no meu peito, arrebatando uma noite mais.
- Nesta mochila encardida no tempo, as honras do meu delírio, um cansaço na minha titubeante caminhada, o apelo a um canto onde por breves instantes possa refrescar novos propósitos, reembalar o meu desejo de infinito nestas paredes invisíveis, de tresloucada caminhada até não sei onde.
- Quisera questionar-me sobre quem fora. Não quero. Nem me sinto com vontade de me incomodar sobre o que quer que seja, sem vontade de acrescentar em mim mais cansaço, embora nem sempre consiga visualizar memórias recônditas sobre mim e deste momento, neste pardo e belo silêncio de suaves nadas, nesta angustiante liberdade de plenos vazios, nesta auto-estrada da minha infecunda caminhada e imensos labirintos, dos sonhos, dos futuros guardados em objectivos condicionados como eu próprio em mim mesmo. Convicto de que os meus limites são mesmo reais, de tal forma reais, que me assumo de forma absoluta, engrandecendo-me neste silêncio obscuro. Prefiro o vento das noites. A melodia e sinfonia da colisão dos ventos contra as paredes e muros e árvores, por entre os topos, os raios da lua a iluminarem a minha felicidade, contigo no meu âmago.
- Serafim sou eu, pouco me importa ser mais que isso, sou-o nesta pulseira que foge da vida comigo, como eu, nunca me abandonou, agarrada ao meu pulso de veias salientes. Serafim, sim.
- O rio sob o chão envolve em mim o seu percurso. A melodia que embala o meu sono.
Como de um tilintar de um relógio que marca os períodos da minha vida, os horários a que me devo submeter e marcar com a decência possível, os pergaminhos do meu submundo, este claustro aberto, enclausurado a este espaço sem demarcação, bem longínquos os limites dos meus passos, o meu olhar fecha-se uns metros à frente, há luzes que brilham e, por dentro da minha alma, o sorriso secreto dos meus poros envolve-se com esta imensidão fria, a água ardente já se esgotou, bem dentro do peito, e o tilintar, bem por dentro do chão, continua, transmitindo-me a sua melodia que transporta um concerto ambulante de sinfonias quase só para mim,, talvez porque o único a escutá-las, coloco as mãos sobre o peito, tranquilo.
- Levantei-me, peguei na mochila de coisas quase nenhumas e meti-me à estrada, andar pura e simplesmente, conquistar quilómetros ao meu silêncio, sem destino, sem qualquer ideia para onde ir, ou o que fazer, vou por aí, vendo tudo o que me entrar no campo de visão, ao mesmo tempo pensar-me sobre quem ouvi, ou que dizer a quem nem sequer sei quem seja?...É assim como vou vivendo, cordial nas entranhas desta minha vida, neste meu mundo, meu apenas. Restos de papéis velhos, amarrotados, nas entranhas da mochila escura, nos percursos destas ruas antigas, pelos cantos onde se senta e escreve pensamentos, frases e quase poemas, recitados por si e para si mesmo, a donzela imaginada, sobre um canto que não existe, bem vestida, rosto liso, bailam os seus cabelos nas linhas que ele escreve, parecem delirar 2 pessoas, as pessoas passam com sorrisos e conversas nauseabundas, escreve, lê, recita, alguns param, observam, escutam também, ele continua como se o mundo fosse uma despreocupação infantil, mas a criança nele existe, por isso sonha.
Há uma agitação impessoal na Rua dos Anjos. Agitados os pombos. Debicam o perfume agora só, onde Serafim tantas horas existiu, das coisas ainda ali, havia livros antigos e alguma tristeza estranha, a melancolia dos pombos carregou até lá as pessoas que se interrogavam sobre o inquilino de tantas e tantas horas, a humidade secara entretanto. O vento espalhara papéis e restos. Ficara ali uma cruz invisível.